Empreendedorismo no Brasil: o outro lado da moeda

Nos últimos tempos, tem se tornado cada vez mais comum o interesse e a discussão acerca da natureza das startups brasileiras – e isso é sem dúvidas um avanço. Tal movimento não parece ser resultado do acaso, se fazendo notar em uma série de contextos.

Nas faculdades, eventos e palestras que antes eram território dominado por grandes players do mercado estão cada vez mais receptivos a empreendedores com uma boa ideia e muita vontade de fazer acontecer. Nas salas de aula, seja do ensino médio ou de cursos de graduação, metodologias de modelo de negócio estão cada vez mais requisitadas. Em muitas universidades, o modelo americano de “laboratório” é aplicado para incentivar prática de tais metodologias, com alunos efetivamente criando seus próprios modelos de empresa escalável.

Mesmo em meio à crise econômica, parece que não falta empolgação e drive empreendedor. Em pesquisa realizada pelo IBOPE e USP em 2014, 71% dos jovens afirmaram que gostariam de empreender. Já em 2015, segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor, patrocinada pelo Sebrae, quatro em cada dez brasileiros afirmaram que já empreendem. Ou seja, não só temos um ambiente aparentemente favorável para a disseminação do empreendedorismo, mas temos números (aqueles que nunca mentem) para comprovar essa tese.

Infelizmente, talvez seja exatamente essa euforia desmedida um dos principais empecilhos para que se consiga debater com a devida profundidade – e maturidade – o complexo tema que é o empreendedorismo. Em especial, dois tópicos frequentemente marginalizados mostram-se fundamentais para aprofundar a discussão: os reais motivos que levam o brasileiro a empreender e os mecanismos que viabilizam um empreendimento. Em relação ao primeiro ponto, há de se reconhecer que o brasileiro empreende hoje sobretudo por necessidade. Não se trata, portanto, de uma massa crítica de empresas que nascem com um Business Model Canvas definido e uma clara visão de longo prazo. Talvez por isso, não deva ser espantoso que cerca de metade das empresas brasileiras fecham as portas após quatro anos de operação, segundo estudo do IBGE de 2015.

Dessa forma, tomemos cuidado ao vangloriar a suposta “onda de empreendedorismo” que vive o Brasil. Deveríamos, inclusive, falar em empreendedorismos, afinal, oportunidade e necessidade são razões bastante distintas para se abrir uma empresa. E mesmo se tratando de startups de oportunidade, muito se fala sobre o perfil do empreendedor, o brilho no olho e vontade de crescer, mas pouco se examina os mecanismos que permitem – ou não – esse crescimento. Por exemplo, de onde vem o dinheiro? Vivemos em um país com taxa básica de juros altíssima, o que significa que linhas de crédito custam extremamente caro. Por outro lado, o mercado de investimentos em empresas de risco, conhecido como Venture Capital, também é incipiente no Brasil, apesar de existir há quase uma década. Segunda pesquisa da KPMG de 2015, em volume de capital investido em empresas no Brasil, Venture Capital corresponde a somente 6%, enquanto os outros 94% pertencem a Private Equity, modalidade de investimento em empresas maiores e mais maduras.

Ou seja, por detrás de números impressionantes em um suposto boom de empreendedorismo no país, existe todo um outro lado da moeda – e até que esse outro lado seja percebido e valorizado, continuaremos comemorando avanços que, em grande medida, não passam de miragens.

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